Thais de Luna
(Correio Braziliense - 07/10/2011)
A escassez de água é apontada como uma das principais causas para a ocorrência de conflitos no mundo nos próximos anos, principalmente por forçar a emigração de milhares de pessoas das áreas que sofrem com o problema. Um estudo publicado na mais recente edição da revista International Water, no entanto, aponta que as reservas disponíveis no mundo, se bem gerenciadas, podem suprir as necessidades de consumo, de fornecimento de energia, das indústrias e do meio ambiente durante todo o século 21. E mais: que a água disponível pode ajudar a dobrar a produção de alimentos de maneira sustentável nas próximas décadas.
A análise, apresentada recentemente no 16º Congresso Mundial da Água, realizado em Recife, tem como foco a condição dos sistemas hídricos e alimentares em 10 bacias ao redor do planeta, incluindo a do São Francisco, e sua relação com o crescimento populacional no mundo — estima-se que, em 2050, o planeta terá 9 bilhões de habitantes. Tais bacias (veja quadro) estendem-se por 13,5 milhões de quilômetros quadrados e são usadas para suprir as necessidades de aproximadamente 1,5 bilhão de indivíduos, dos quais 470 milhões estão entre os mais pobres do mundo.
Segundo os pesquisadores, o líquido está, de fato, acabando em alguns rios importantes como o Amarelo, na China, e Indo, que cruza China, Índia e Paquistão. Mas, de acordo com o líder do estudo, o doutor em filosofia de ciências do solo pela Universidade de Cambridge Simon Cook, o problema é principalmente gerencial. “As fontes de água em bacias que abastecem o setor industrial estão sob estresse intenso devido ao mau uso por parte da população. As pessoas utilizam a água além do nível sustentável, e é aí que está o problema”, descreve, em entrevista ao Correio. O especialista destaca ser crucial a implementação de políticas eficazes na gestão desses recursos. “O papel de políticos e de instituições voltadas para o meio ambiente é crucial para o desenvolvimento sustentável do ecossistema nessas regiões ligadas aos rios.”
Ainda de acordo com o estudo — elaborado pelo Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional, patrocinado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) —, uma das formas de aumentar a produção de alimentos é investir mais em sistemas agrícolas que usam a água da chuva para irrigação. “Encontramos terras aráveis na Ásia e na América Latina em que a produção estava pelo menos 10% abaixo do potencial. Isso representa uma grande oportunidade para aperfeiçoar sistemas de captação e uso da chuva e nos leva a acreditar que esse é o fator que ampliará a capacidade de produzir alimento”, explica o líder da pesquisa.
Cook, porém, diz não ser possível afirmar em quantos anos a produção de alimentos no mundo poderia ser dobrada com as medidas sugeridas no relatório. “O que posso dizer é que existe essa capacidade, caso os governos invistam o suficiente na agricultura, ao contrário do que tem ocorrido nas últimas décadas.”
Brasil
Especificamente sobre o Rio São Francisco, o grupo de pesquisadores descobriu que a bacia é uma das mais desenvolvidas economicamente entre as estudadas, embora existam pessoas vivendo em condição de pobreza nas áreas ao redor do rio. “Mudanças rápidas estão ocorrendo na paisagem agrícola do rio, que têm implicações na pobreza rural e urbana”, observa o britânico. Essas mudanças são a convivência de dois tipos de agricultura em áreas próximas: a agricultura familiar, conduzida por pequenos produtores, e a comercial, feita por latifundiários e empresas. Cook comenta que, felizmente, esse desenvolvimento ocorre em limites considerados seguros, necessários para suprir as demandas populacionais sem destruir o meio ambiente.
O pesquisador espera que os resultados desse estudo possam ser usados para ajudar a guiar futuras políticas de conservação das bacias. “Além disso, queremos auxiliar a comunidade global na área de pesquisas, uma vez que ela se prepara para enfrentar as maiores demandas das economias dos países desenvolvidos e em desenvolvimento”, completa. Cook acredita que a maior dificuldade da análise foi compreender a natureza multidisciplinar do problema da água no mundo, envolvendo questões hidrológicas, agrícolas e sociais. “Mas é aqui que se baseia a força da nossa pesquisa, pois todos os aspectos da interação entre os rios e a população devem ser entendidos para tomar as decisões corretas em relação a sistemas tão complexos.”
Distribuição
De acordo com o coordenador do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB), Gustavo Souto Maior Salgado, os resultados da pesquisa estão corretos. “Água nós temos, o que falta é gerenciá-la corretamente”, diz. Ele cita como problemática, por exemplo, a situação do Distrito Federal. “A bacia hidrográfica do Lago Paranoá está sendo impermeabilizada com o uso intenso do solo, a partir de construções em áreas cada vez mais próximas de mananciais”, exemplifica. Segundo ele, o processo afeta o ecossistema local e dificulta o aumento da produção de alimentos e de abastecimento de água na área.
O professor de geoquímica analítica e geoquímica ambiental da UnB Geraldo Resende Boaventura, por sua vez, embora concorde com o artigo, acredita que faltou abordar os aspectos relacionados com a distribuição da água. No Brasil, por exemplo, há grandes volumes de água na Amazônia, região com baixa densidade demográfica. “Nesse caso, o grande volume de recursos hídricos disponíveis não tem grande valor para outras regiões”, comenta. “No Distrito Federal, temos recursos limitados. O controle na utilização e principalmente na manutenção da qualidade torna-se urgente e necessário”, compara. O professor afirma ainda que a água é um recurso finito quimicamente e renovável apenas dentro do ciclo hidrológico. Desse modo, todas as vezes que o ser humano interfere nesse ciclo, seja na transferência de água entre bacias e alteração de qualidade, podem ocorrer problemas no futuro.
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